Gordo de Raiz

Da importância do churrasco na relação humana

Crônica originalmente publicada em 20 de maio de 2009 no Papo de Gordo.

– Pode botar duas fatias de picanha aqui. Mal passadas, tá?
– Não sei como você me convenceu a vir nessa churrascaria.
– Relaxa, Ana. Curte o churrasquinho.
– Você sabe que eu tenho nojo de carne, Abel! Só vim mesmo porque você me implorou para comemorar seu aniversário aqui.
– Pode botar três fatias dessa maminha. Beleza!
– Você nem me ouve quando chegam os garçons!
– Curte o churrasquinho, criatura.
– Eu não gosto de carne! E você sabe disso! Pelo menos tem bastante opção de salada. Você devia pegar um pouco de verde pra ver se diminui essa sua pança.
– Estou comendo mato de forma terceirizada. A vaca come a grama, eu como a vaca… Opa! Me manda uns quinze desse coraçãozinho aí!
– Eca! Você sabe quantas galinhas morreram pra você ter esses corações?
– Uma galinha pra cada coração. Não sei porquê todo vegetariano sempre vem com essa pergunta idiota.
– Por isso continua esse gordo nojento! Bem que mamãe me avisou que eu não ia conseguir te mudar.
– Você me conheceu já gordo, comendo um podrão completo na porta da faculdade e com a camisa cheia de mostarda. Como teve a ilusão de que ia me mudar?
– Achei que você ia descobrir o prazer da comida saudável…
– Manda um corte caprichado desse lombo!
– Você nem me dá atenção mais!
– Olha, mulher, estou curtindo meu churrasquinho e só paro de comer quando chegar no esôfago, beleza?
– Seu… porco!
– Por falar nisso… Ei, garçom! Manda uma costelinha pra cá que estou esperando há um tempão!
– Abel… Por favor… Pelo menos uma alfacinha…
– Da mesa da salada eu só pego o ovinho de codorna. Se é que você me entende…
– Comendo desse jeito você não ia conseguir isso aí nem se misturasse catuaba com o ovo de codorna.
– Hmmm… Baby beef! Manda três de uma vez!
– Você… Você sabe o que é isso?
– Baby beef, oras.
– Isso é vitela! Carne de bezerro! Os bezerrinhos são separados das mães e são deixados numa dieta de fome pra ficar com a carne macia e depois morrem com uma marretada na cabeça!
– Já estou com água na boca!
– Animal!
– Ana, deixa de ser mala e curte o cheirinho do bezerrinho desmamado. Pelo menos ele não viveu para conhecer a dura vira de um boi que vive chifrudo e, quando morre, vira carne de vaca.
– Essa é velha, hein.
– A carninha está tão mal passada que eu acho que vai mugir quando eu espetar. Ei! Quero esse carneiro aí!
– Pra mim chega! Não fico mais um minuto aqui!
– Curte o churrasquinho, garota!
– Esse cheiro está me enjoando!
– Opa! Alcatra! Desce duas caprichadas!
– Você não me ouve mais!
– Lagarto ao ponto! Que coisa linda!
– Eu quero me separar!
– Avestruz? Tô dentro!
– Seu filho duma…
– Manda esse galeto ao molho de abacaxi pra cá!
– Adeus!
– Pô! Cadê a coxinha? Ana…? Ana…? Bem que eu falei pra ela que esse negócio de salada faz mal. Deve ter ido correndo pro banheiro. Pior pra ela. Vou continuar comendo até ela voltar. Ei! Cupim bem passado! Aqui! Agora!

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