Gordo de Raiz

Gordices em Salvador

Crônica originalmente publicada em 2 de setembro de 2009 no Papo de Gordo.

Acarajé, caruru, maniçoba, abará, moqueca, sarapatel… A culinária baiana é pródiga em alimentos que te obrigam a usar um sotaque nordestino para pronunciar seus nomes. Basta citar em voz alta alguns quitutes que você já fica achando que é primo do Lázaro Ramos ou afilhado do Antônio Carlos Magalhães. Mais uns minutos nisso e você também estará curtindo uma rede, só levantando ao ouvir o som do Chiclete ou da Ivete.

Uma pequena contextualização: Semana passada, fui a Salvador, terra de Dudu e Maira (e Caê, e Canô, e Gal, e Gil, e Ruy, e Caribé, e Dorival…) para o casamento de um amigo em comum. Logicamente, não dava pra ignorar a culinária baiana. O fato de eu detestar feijão e camarão não me prejudicou muito, afinal ainda sobrou escondidinho e… bom, sobrou escondidinho de carne seca e olhe lá!

Se alguém pretende ir a Salvador algum dia, é bom ficar atento a vários detalhes que podem facilitar a vida de um turista em terras soteropolitanas. Pra começar, treine bem sua capacidade de atravessar multidões. Não que os locais estejam sempre lotados de gente, mas se você chegar com cara de turista, centenas de milhares de vendedores de bugingangas vão soterrá-lo ao som de “Pegue uma fitinha do Bonfim, meu rei, é de graça”.

Sim, eles te dão a fitinha do Senhor do Bonfim de graça. Na sequência, te jogam um colar estilo Carlinhos Brown. Quando você perceber, já estará tirando da carteira dinheiro que daria pra comprar três lanches completos no Burger King pra adquirir uma miçanguinha pequenininha que lembra, de longe, o elevador Lacerda.

Só existem duas estratégias para fugir disso. A primeira é dizer que sua religião não permite aceitar essas coisas. A segunda é já colocar uma fitinha do Senhor do Bonfim no braço antes de sair do hotel e mostrá-la ao primeiro sinal de abordagem. Tanto em um caso como no outro, prepare-se pra ouvir alguma gracinha. Eu mesmo ouvi uns dez “Vá lá, gordinho mão-de-vaca” depois de escapar dos vendedores.

Uma outra coisa que um turista (especialmente um turista gordo) deve ter em mente é que Salvador não é feita pra quem tem preguiça de caminhar. Embora seja uma cidade que gosta de gordinhos (basta ver as estátuas de gordinhas yeah yeah no bairro de Ondina), os gordos sofrem de tanto exercício que acabam tendo que fazer. Por exemplo: Pra chegar no Farol da Barra é necessário subir um pequeno morrinho; pra visitar o Forte São Marcelo todo mundo tem que subir muita escada; pra ir de um ponto turístico a outro tem que andar pra caramba… E ainda tem o Pelourinho!

O Pelourinho é o pavor de todo gordinho. Ladeiras, pedras, museus com escadarias monstruosas… O problema é que não dá pra deixar de visitar, já que, afinal, é um lugar bem legal. A sugestão é que você comece de cima, do Terreiro de Jesus. Daí, pegue um mapa do local e siga ladeira abaixo, fazendo um ziguezague entre as ruas para ver o máximo possível de atrações. E olha, olha, olha, olha a água mineral, água mineral, água mineral, ou você, certamente, não vai ficar legal.

Mas um gordo tem que fazer gordices. Mesmo que você faça um trajeto turístico tradicional, precisa encarar a alimentação local. Descubra o que tem no tabuleiro da baiana e devore cocada, mugunzá, caruru e brinque de ioiô (hein?). Boa sorte ao encarar um acarajé. Eu não consigo comer, admito, já que não gosto de feijão e camarão e o troço é feito exatamente com essas coisas. Mas é uma ofensa aos baianos se você se recusar a pelo menos provar (minha experiência com acarajé ocorreu na última vez que estive por aqui: quase vomitei, mas consegui dar meia mordida).

Temos ainda a Sorveteria da Ribeira, com sorvetes curiosos como algodão-doce, tapioca, amarena, cupuaçu, biribiri e umbu, entre outros. Há uma certa esquizofrenia em alguns desses sabores, mas a vantagem é que você pode provar cada um deles antes de escolher sua casquinha de quatro bolas (lá ele).

Por fim, ainda no campo das gordices, vale contar a história de minha caça ao caranguejo. O pessoal queria comer esse bichinho que não é peixe (a não ser na enchente, na vazante ou no fundo da maré), então iniciamos uma busca desenfreada por um restaurante que o servisse. O problema é que já estava de noite e até mesmo o Caranguejo de Sergipe estava sem caranguejo.

Fomos encontrar o crustáceo fujão apenas no Sabores da Dadá, um restaurante bastante simpático com uma dona também bastante simpática (típica baiana, em todos os bons sentidos) e que vibrava e xingava enquanto assistia um jogo do Vitória na TV. Apesar de eu não simpatizar muito com o Vitória (já que suas cores lembram a do Flamengo, argh), eu até torci pelo time baiano só pra ver o povo feliz.

Minha última noite em Salvador, portanto, foi comendo caranguejo. Quer dizer, eu não comi. Eu gosto de peixe, por exemplo, mas tenho uma preguiça monumental de comê-lo porque o trabalho de tirar as espinhas não compensa os poucos segundos de sabor. Descobri que caranguejos são muito piores. Você pega um martelo, sai porretando o bichinho e arranca o que sobra de exoesqueleto com os dentes (quase os trincando) para degustar por milésimos de segundo um naquinho microscópico de carne branca. Definitivamente, prefiro meus alimentos com o osso dentro da carne e não o contrário.

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