Gordo de Raiz

Entrevista de emprego

Crônica originalmente publicada em 10 de fevereiro de 2011 no Papo de Gordo.

– Por favor, pode sentar.
– Obrigado.
– Seu nome é… Marcos, correto?
– Sim.
– Então, Marcos, eu vejo pelo seu currículo que você tem bastante experiência em vendas.
– Sim. Eu trabalho há anos como vendedor e, modéstia à parte, sempre fiz ótimos negócios para minha antiga empresa.
– Você vendia máquinas de refrigerante para a Sweet Soda, certo? Por que saiu de lá depois de tantos anos?
– Bem… Não seria muito ético comentar…
– Foi porque você é magro, certo?
– O quê?
– Olha, Marcos, aqui na Amazing Donuts, nós prezamos pela sinceridade. E eu vejo que você é excessivamente magro. Deve pesar uns 70 quilos, mais ou menos, acertei?
– Sim, mas… É que eu tinha que trabalhar andando de um lado para o outro, sabe? Eles não tinham verba de combustível, então eu precisava pegar ônibus. Caminhando muito, no Sol, com uma maleta pesada, acabei emagrecendo…
– Por favor, seja sincero. Foi por isso que eles o demitiram? Não se ofenda, mas nem sei como chegaram a contratá-lo…
– Na verdade, quando eu comecei lá, tinha 120 quilos bem concentrados na barriga. Foi assim que construí minha fama, sabe? Os clientes me viam e tinham a certeza de que nossas máquinas eram realmente boas.
– Entendo. Gordos realmente são mais confiáveis na hora de avaliar a qualidade de um refrigerante de máquina.
– Isso mesmo. Eu era considerado a imagem perfeita da companhia. Conseguia vender para 90% dos clientes que eu visitava. Mas fiquei querendo vender cada vez mais e acabei descuidando da minha alimentação. Passei a comer pouco para conseguir visitar mais clientes. Não tinha mais tempo de ficar em casa, morgado no sofá comendo Doritos com guaraná. Eu acabei ficando uma pessoa muito ativa, mas juro que foi por força das circunstâncias!
– Aí acabou emagrecendo.
– Sim. Minhas roupas foram ficando cada vez mais largas. Eu comecei a ter que procurar lojas especializadas para magros, mas só encontava modelos que pareciam roupa de criança, sabe? Sem contar os clientes, que passaram a me olhar torto. Meu supervisor, que era um grande amigo, já nem me convidava mais para os churrascos que fazia e começou a vir com piadinhas pra cima de mim. Falava que eu não ia aguentar nem um quilinho de picanha e saía rindo. Se não fosse tanto trabalho eu teria estômago pra cinco quilos e ainda sobrava pra cerveja, pombas! Isso me humilhava!
– Foi aí que te demitiram?
– Não. Na verdade, eu que pedi demissão. Eu tinha dez anos de casa e, mesmo tendo emagrecido tanto, acho que merecia ser respeitado. Mas eles contrataram um rapaz mais novo. Ele não tinha nem um décimo da minha experiência, mas impressionou os diretores pelo visual. Devia ter uns 150 quilos, sabe? Uma gordura abdominal perfeita, com várias dobras. Os diretores chamaram ele no mesmo dia para um almoço de negócios no McDonald’s e ouvi por trás da porta que eu não seria convidado porque ia acabar pedindo um McSalad com suco, deixando todo mundo enjoado. Isso foi a gota d’água! Não é porque estou magro que comeria salada! Isso é um estereótipo ridículo! Pedi as contas no mesmo dia!
– Entendo…
– Desculpe se me exaltei. Sei que não é de bom tom falar mal da empresa anterior, mas eu realmente me senti discriminado. Você não tem ideia de como é ser julgado por seu peso.
– Eu entendo, mas preciso ser sincero. Infelizmente, fica complicado para uma pessoa magra vender nossos produtos. Sabe como é… temos uma imagem a zelar. Ninguém confiaria num vendedor de donuts magro. Ia parecer que nem nossos próprios funcionários comem as rosquinhas.
– Mas eu posso engordar! É só me dar uma chance!
– Marcos, eu tenho outros candidatos para entrevistar. Alguns já são rechonchudos e também têm experiência. Mesmo que você entrasse em uma dieta de engorda, isso exigiria muito tempo e dedicação para atingir o peso ideal. E nem todo mundo consegue passar dos 100 quilos com facilidade. Me desculpe, de verdade, mas não podemos contratá-lo.
– Isso não é justo! Não é porque sou magro que me torno incompetente pro cargo! Peso não tem nada a ver com a capacidade de vender refrigerante ou rosquinhas!
– Por favor, não se exalte.
– Isso não vai ficar assim! Vou processá-los por discriminação! Vou denunciá-los na TV!
– Segurança! Por favor, tire esse rapaz daqui! Aff… Esses magrelos hoje em dia acham que podem tudo. Eles tinham é que ter vergonha de sair de casa e obrigar as pessoas normais a ficar vendo esses ossos quase rasgando a pele, que nojo. Custava ser um pouquinho sedentário e se empanturrar com salgadinhos pra chegar pelo menos nos 100 quilos? Por isso eu odeio magros, eles não têm força de vontade. Bom, deixa pra lá. Próximo!

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