O gordo aparelhado

Crônica originalmente publicada em 14 de abril de 2011 no Papo de Gordo.

Uma das principais partes da anatomia de um gordo de raiz são os dentes. Afinal, é com nossos caninos, trituradores e seja lá qual for o nome técnico dos ditocujos que a gente degusta a maioria dos alimentos sólidos. Obviedades ululantes à parte, ter alguma alteração na arcada dentária que dificulte a mastigação gera um sofrimento muito grande para quem precisa rasgar com precisão um Big Tasty com bacon extra.

Eu tinha um problema com meus dentes. Minha mordedura não é lá grandes coisas (mordedura, leia corretamente). Portanto, mesmo depois de velho, tive que colocar um aparelho ortodôntico. Não que tenha sido a primeira vez. Desde pequeno eu devo ter iniciado uns quatro ou cinco tratamentos de aparelho, mas sempre incorria no mesmo erro: punha um aparelho móvel!

Aí você, caro leitor que vai regularmente ao dentista e troca a escova de dentes a cada duas semanas, me pergunta: Qual o problema do aparelho móvel? Oras, seu problema é exatamente ser móvel. Vejamos:

1 – A pessoa precisa tirar o aparelho móvel para comer.
2 – Antes de recolocar o aparelho, é preciso escovar os dentes com muito cuidado, mesmo tendo comido só um brigadeiro.
3 – Ficar muito tempo sem o aparelho faz os dentes “voltarem” e, com isso, a colocação fica mais dolorida (lá ele).
4 – Consequentemente, a preguiça e a gula falam mais alto e o gordinho fominha deixa o aparelho pra lá.

Dessa vez, porém, não tive escolha. Minha dentista me lascou um aparelho fixo. Ele gera uma sequência diferente de problemas que estou experimentando agora. Pra começar, o mais óbvio é que não é necessário (na verdade, nem pode, dãã) tirar o aparelho pra comer. Até aí, maravilha, pensa o gordinho fominha. Só que a escovação é muito muito muito mais complicada do que antes.

Um simples biscoito recheado faz um estrago assustador. Ficam migalhas presas nos “trequinhos” (nunca lembro o nome do troço que fica colado no dente pra segurar o “ferrinho”). Escovar os dentes leva o triplo do tempo, no mínimo. E, se você não tiver uma escova à mão logo depois de comer, é certo que um pedaço de carne ficará preso exatamente na estrutura metálica mais complicada de se alcançar, o que desanima quem quer degustar, por exemplo, um podrão com tudo que tem de direito na rua.

Pois é, caro leitor de dentes tortos e salientes, começa um embate monumental entre a preguiça e a gula, tendo a ira de plateia. Você, em tese, pode comer sem prejudicar seu tratamento dentário, porém, ao mesmo tempo, tem uma despensa de restos mortais de comida na sua boca que deve ser limpa logo depois de cada alimentação.

Até comer pipoca no cinema está sendo um suplício. Sempre ficam pedacinhos de milho não-estourado em toda a boca. No fim da sessão, é melhor nem sorrir para as pessoas, ou vão achar que você substituiu todos os seus dentes por placas de papel celofane alaranjado.

Mais um detalhe: Um aparelho deve ser “apertado” regularmente (afinal, seu objetivo é levar os dentes do ponto A para o ponto B). Isso sempre faz os dentes doerem por vários dias, limitando terrivelmente sua alimentação engordurante. Para ter uma ideia, numa das “mexidas” de meu aparelho, eu mal conseguia morder um pão de forma com presunto. Imagine se fosse uma rapadura!

No fim das contas, as vantagens de ter a dentição certinha superam as desvantagens de suportar o aparelho e você acaba descobrindo formas criativas de burlar o sistema (“espremer” as doze refeições e 14 lanches diários em um número menor de intervenções alimentares; bochechar Coca-Cola para liberar os grãos maiores que estiverem presos; usar recheio de biscoito como pomada para aliviar as dores na bochecha; etc.).

Em resumo, caro leitor que foi correndo escovar os dentes com medo de pegar cárie, um aparelho dentário é a melhor forma de você descobrir se seu problema principal é gula ou preguiça. Se conseguir levar o aparelho até o final, parabéns, você é um guloso sem-vergonha. Se não aguentar a pressão e comer menos só pra não ter que usar o dentifrício toda hora, não passa de um reles preguiçoso que apenas gosta de comer. A não ser que você opte por arrancar todos os dentes e colocar tudo de novo já certinho. Aí você é apenas um maluco mesmo.